quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Crônica

 A Crônica
 A crônica, que surgiu em nossa literatura no século XIX, firmou-se no Modernismo, atraindo um grande número de escritores que a ela se dedicaram de maneira contínua ou esporádica. Ainda que seja difícil determinar com exatidão todas as característica da crônica, pode-se dizer que, atualmente, ela representa o registro do quotidiano no que ele possa apresentar de pitoresco ou interessante. No entanto, o fato em si atrai menos do que aquilo que dele possa extrair o cronista, seja uma observação humorística, um momento lírico, uma reflexão filosófica ou um comentário de crítica social.
 Hoje em dia, a crônica é um dos gêneros mais apreciados pelo público leitor e tem lugar reservado nos principais jornais e revistas do país.
 Dentre os inúmeros escritores podemos citar: Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Luís Martins, Lourenço Diaféria, Clarice Lispector, Vinícius de Moraes, Rachel de Queiroz, Luís Fernando Veríssimo, Carlos Eduardo Novaes, Sérgio Porto(Stanislaw Ponte Preta), Manuel Bandeira, Dinah Silveira de Queiroz entre outros.

Ator Cláudio Marzo interpretou "O homem nu" no cinema.
 Enredo de "O homem nu" (Fernando Sabino)


 Um homem tinha que pagar a prestação de sua televisão. Quando acorda, ele fala para sua esposa não abrir a porta para ninguém durante o dia. Pede também para que se a campainha fosse tocada, ela deveria ficar em silêncio, pois estavam se escondendo de um cobrador.
 Quando vai tomar banho, já totalmente nu, percebe que a sua esposa estava tomando banho. Então ele decide preparar o café da manhã. Quando vai pegar o pão, que estava fora do seu apartamento, ele olha atentamente para os dois lados, dá dois longos passos e agarra o pão. Nesse momento, é surpreendido por uma rajada de vento, a porta bate e se tranca e ele fica sozinho, nu no corredor somente com o pão nas mãos para esconder sua nudez.
 O pavor leva-o a se esconder na escada, quando ouve passos de alguém subindo, vai para o elevador, que é chamado e leva-o para outro andar.
 Este conto deu origem ao filme do mesmo nome, tudo escrito com humor, Fernando Sabino descreveu o lado pitoresco do quotidiano, com várias situações de uma maneira direta. Principais características da crônica O homem nu:


  • Simplicidade
  • Objetividade
  • Observação da vida e hábito das pessoas
  • Nudez do homem urbano do século XX  =  reflexão sobre a condição humana e elementos repressores da cultura. A personagem central do conto é avaliado a partir da ausência de roupas (Crítica ao moralismo rígido da sociedade).
Fernando Sabino
 Rubem Braga

 Foi um dos melhores cronistas da literatura brasileira, e as características principais de suas obras são:
  • Flagrante do quotidiano
  • Linguagem poética e sensível
  • Observar os outros
  • O narrador por vezes se apresenta em 1º pessoa, mas não é o centro da narrativa
  • Busca do lado humano "na selva de pedra" em que vivemos

Rubem Braga
 A outra noite

 Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de vento sul e chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para casa de táxi, encontrei um amigo e o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá em cima, além das nuvens, estava um luar lindo, de Lua cheia; e que as nuvens feias que cobriam a cidade eram, vistas de cima, enluaradas, colchões de sonho, alvas, uma paisagem irreal.
 Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou um sinal fechado para voltar-se para mim:
 - O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem mesmo luar lá em cima?
 Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra - pura, perfeita e linda.
 - Mas, que coisa...
 Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva. Depois continuou guiando mais lentamente. Não sei se sonhava em ser aviador ou pensava em outra coisa.
 - Ora, sim senhor...
 E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um "boa noite" e um "muito obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, como se eu lhe tivesse feito um presente de rei.
                                                                  
                                                  (Ai de Ti, Copacabana. RJ,1960.p.183-84)


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Poesia Práxis / Poesia Social (1950/1960)

 Poesia Práxis

 Poesia Práxis - O livros Lavra-lavra (1962) marcou o aparecimento de uma outra tendência na poesia moderna brasileira: Práxis.
 Seu autor e principal representante, o poeta Mário Chamie, assim explica as características desse movimento: "opõe à palavra-coisa, do Concretismo, a palavra energia; não considera o poema como um 'objeto' estático e fechado e sim como um 'produto' dinâmico, passível de transformação pela influência ou manipulação do leitor".
 Ligando a palavra e o contexto extralinguístico, a poesia Práxis estabelece uma ponte entre o poeta e a vida social, como o próprio Mário Chamie declarou: "o ato de compor implica, acima de tudo, na tomada de consciência de um projeto semântico. Isto é: o poeta, ao elaborar um poema, não deveria prender-se a esquemas formais predeterminados, deixando de lado a realidade viva e o significado humano daquilo sobre  que o que ou em função do que escrevia".
 Em 1962 foi o lançamento da revista Praxis, que reunia artigos e textos criativos do grupo que, além de Mário Chamie, contava com Armando Freitas Filho, Yone G. Fonseca, Arnaldo Saraiva e outros.

 Outras características da poesia práxis:

  • Uso de neologismos
  • aspectos sonoros
  • termos estrangeiros
  • aspectos visuais
  • semântica dos vocábulos
  • poema objeto dinâmico
  • múltiplas leituras
  • dissidência do Concretismo
 Texto:

 Forca na força
--------------
 a palavra na boca
 na boca a palavra: força

 a forca da palavra força
 a palavra rolha fofa

 a rolha fofa sem força
 a palavra em folha solta

 a força da palavra forca
 a palavra de boca em boca

 na boca a palavra forca
 a palavra e sua força
 -----------------
 falar na era da forca
 calar na era da força

 na era de falar a forca
 calar na era de calar a boca

 na era de calar a boca
 a era de falar à força

 calar a força da boca com a forca
 falar a boca da forca com a força

 calar falar a palavra
 não na ira de era ida

 falar calar a palavra
 nesta ira de era viva

 calar a palavra na era ida da ira
 falar a palavra na viva era da vida
 ---------------
 mas a forca da palavra força
 : um cedilha em sua boca

                                                                                 (Mário Chamie. Objeto Selvagem)

 O poeta desenvolveu o texto por meio das permutações fonéticas e da exploração das possibilidades semânticas de algumas palavras-chaves, tais como: forca/força; rolha/folha; falar/calar; era/ira.
 Essas palavras constituem um campo semântico explorado pelo autor, que desenvolveu o poema a partir da constatação de que "na era de calar a boca" é "a era de falar à força".


 Outros poemas de Mário Chamie:



AGIOTAGEM 
um
dois
três
o juro:o prazo
o pôr / o cento / o mês / o ágio
p o r c e n t a g i o.

dez
cem
mil
o lucro:o dízimo
o ágio / a mora / a monta em péssimo

e m p r é s t i m o.

muito
nada
tudo
a quebra:a sobra
a monta / o pé / o cento / a quota

h a j a   n ota
agiota.

O TOLO E O SÁBIO

O sábio que há em você
não sabe o que sabe
o tolo que não se vê.

Sabe que não se vê
o tolo que não sabe
o que há de sábio em você.

Mas do tolo que há em você
não sabe o sábio que você vê.


 Poesia Social (1950/1960)

 Nas décadas de 50 e 60, principalmente, alguns poetas manifestaram-se contrários aos excessos de teorização e experimentalismo que caracterizavam a poesia de vanguarda.
 Propondo a volta à linguagem discursiva, num estilo simples e direto, esses poetas pretenderam representar, na poesia, o quotidiano sofrido do homem comum, os momentos difíceis da situação política; enfim, buscaram realizae uma arte mais facilmente comunicativa, que expressasse a posição do autor diante da vida e dos problemas imediatos.
 Dentre os autores que definiram por essa direção há, por exemplo, alguns que tinham participado, inicialmente, dos objetivos da geração de 45 (Geir Campos) e outros que se manifestaram nos anos seguintes (Tiago de Melo, Moacir Félix) e, sobretudo, Ferreira Gullar, que, tendo iniciado sua atividade como concretista, rompeu mais tarde com o grupo, aderindo à poesia social.

 Não há vagas

                                             O preço do feijão 
                                             não cabe no poema. O preço
                                             do arroz  
                                             não cabe no poema.

                                             Não cabem no poema
                                             a luz o telefone  
                                             a sonegação
                                             do leite
                                             da carne
                                             do açúcar
                                             do pão

                                            O funcionário público
                                            não cabe no poema
                                            com seu salário de fome
                                            sua vida fechada
                                            em arquivos.
                                            Como não cabe no poema
                                            o operário
                                            que esmerila seu dia de aço
                                            e carvão
                                            nas oficinas escuras

                                            - porque o poema, senhores,
                                              está fechado:
                                             "não há vagas"

                                             Só cabe no poema
                                             o homem sem estômago
                                             a mulher de nuvens
                                             a fruta sem preço
               O poema, senhores,
                                                            não fede
                                                            nem cheira.

                                           (Ferreira Gullar.Antologia Poética, Rio de Janeiro, Fontana)

 Verbo caber = assunto, abordagem do poema
 Sonegação = substantivo abstrato, tem valor de conteúdo moral (denúncia) e significa fraudar, furtar.
 A 1° estrofe tem ritmo liberado, irregular, as vírgulas de todos os versos foram extraídas. Estrutura em paralelo dos versos finais, com uso da preposição cadenciando o poema.
 Os sujeitos que não cabem no poema: o funcionário público e o operário.
 O funcionário público com a vida em recinto, fechada (vida burocratizada) é apenas um números nos fichários estatais.
 O operário ao esmerilar o seu "dia de aço" (difícil, duro), embora com um trabalho indispensável à sociedade, é sinônimo da invisbilidade.
 "- porque o poema senhores, está fechado". (ironia). O poema está insensível, indiferente.
 "Não há vagas": falta de oportunidade.
 O "homem sem estômago" = aquele que não se importa com as preocupações, não se volta para as questões básicas de subsistência.
 "mulher de nuvens" é a mulher idealizada, objeto de abstração, admirada nas formas se exposta na obra de arte. É ironização aos poetas parnasianos que são indiferentes à vida, ao quotidiano das pessoas comuns.
 Versos finais: O poema "não fede nem cheira" = o poema que idealiza a vida tanto faz existir ou não, é indiferente.
 O poema " Não há vagas", se refere à poesia do passado e do presente, o texto, como andamento metalinguístico, discute a própria poesia. Está se discutindo a função da poesia e para que ela serve.
 Mensagem: a poesia não deve deixar de abordar questões sociais, nela sim "há vagas" para os dramas diários.
 Sentido real da poesia: o contrário do que nele é dito.

                                                             Ferreira Gullar


 Subversiva


 A poesia
 Quando chega
 Não respeita nada.


 Nem pai nem mãe.
 Quando ela chega
 De qualquer de seus abismos


 Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
 Infringe o Código de Águas
 Relincha


 Como puta
 Nova
 Em frente ao Palácio da Alvorada.


 E só depois
 Reconsidera: beija
 Nos olhos os que ganham mal
 Embala no colo
 Os que têm sede de felicidade
 E de justiça.


 E promete incendiar o país.


                                                                     (Ferreira Gullar)




                                                                

                                                                

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Concretismo

 Concretismo

 O movimento de renovação da linguagem, desencadeado nos primeiros momentos do Modernismo, atingiu um de seus pontos mais altos com o Concretismo.
 Na década de 50 surgiu a revista Noigandres, apresentando um movimento poético inovador chamado Concretismo, com Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari sendo seus fundadores e principais representantes.
 Movimento relacionado também com as artes plásticas e com a música, o Concretismo propõe uma poesia não linear ou discursiva mas espacial. Decretando o fim do verso e abolindo a sintaxe tradicional, os concretistas procuravam elaborar novas formas de comunicação poética em que predomine o visual, concordando com as transformações ocorridas na vida moderna, em virtude da influência dos meios de comunicação de massa.
 Nesse sentido, o Concretismo procura explorar basicamente os significantes, isto é, o aspecto material dos signos, jogando com as formas, cores, decomposição e montagem das palavras etc., criando estruturas que se relacionem visualmente.
 Segundo Décio Pignatari: "a importância do olho na comunicação mais rápida: desde os anúncios luminosos até as histórias em quadrinhos a necessidade do movimento a estrutura dinâmica o ideograma como ideia básica."
 Além da revista Noigandres, a revista Invenção também serviu de divulgadora das ideias do Concretismo, que contou com a participação de José Lino Grünewald, José Paulo Paes, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo, Wladimir Dias Pinto e outros.

 Texto:                 COCA-COLA

 BEBA                     COCA          COLA
 BABE                                          COLA
 BEBA                     COCA
 BABE                     COLA           CACO
 CACO
 COLA
                  C L O A C A
                                        
                                                                                       (Décio Pignatari)

 Este é um dos textos concretos mais conhecidos por sua hábil estruturação e pelo resultado - a antipropaganda - obtido pelo autor.
 Partindo do slogan "Beba Coca-cola", observe que o autor procedeu a uma desmontagem dessas palavras, permutando fonemas e compondo novas palavras, que se opõem à ideia inicial. Observe:
                
                          BEBA = BABE
                          COCA = CACO
                          BEBA COCA = BABE COLA, BABE COLA CACO

 Por esse processo de desmontagem e remontagem, o autor como que extrai, da aparência das palavras, o seu significado mais profundo, relevando o que há por trás do slogan. E tudo resulta na palavra final: cloaca, que quer dizer esgoto. Observe, ainda que cloaca é composta dos fonemas que estão presentes em coca e cola.
 Por outro lado, a utilização do espaço é importante, pois, em primeiro lugar, "vemos" o poema e fazemos uma "leitura" em vários sentidos (verticalmente ou horizontalmente).

 Outro exemplo de poesia concretista:

 VVVVVVVVVV
 VVVVVVVVVE
 VVVVVVVVEL
 VVVVVVVELO
 VVVVVVELOC
 VVVVVELOCI
 VVVVELOCID
 VVVELOCIDA
 VVELOCIDAD
 VELOCIDADE

                                                                                                      (Ronaldo Azeredo)

 Poema Terra de Décio Pignatari:

 ra terra ter
 rat erra ter
 rate rra ter
 rater ra ter
 raterr a ter
 raterra terr
 araterra ter
 raraterra te
 rraraterra t
 erraraterra
 terraraterra



                        
                 




terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Terceira geração do Modernismo

 Terceira geração Modernista

 Após o Estado Novo (1937 - 1945), caracterizado pela ditadura Vargas, o país passou por um processo de redemocratização através de uma política populista. De um lado esta política acentuou a intervenção do Estado na economia e, de outro, permitiu a introdução das multinacionais, inserindo definitivamente o Brasil no contexto do capitalismo internacional.
 Do ponto de vista literário, houve um retrocesso em relação às conquistas de 1922, uma volta ao passado com a revalorização da rima, da métrica, do vocabulário erudito e das referências mitológicas.
 A geração de 45 é, então, "passadista", acadêmica, inexpressiva em termos de grande autores, grande obras, mesmo abordando temas contemporâneos.
 Podem ser apontadas algumas características pela prosa brasileira neste período: Abordagem penetrante dos problemas gerados pela tensão existente entre os indivíduos e o contexto social em que vivem. Essa característica está presente nos romances de Osman Lins, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Autran Dourado, Luiz Vilela, Raduan Nassar entre outros.
 2° Abordagem realizada de forma direta, numa linguagem objetiva e forte, conduzindo o leitor à reflexão das misérias do quotidiano e aos mecanismos de opressão do mundo contemporâneo. É o que ocorre em diferentes níveis, nas obras de Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, João Antônio, Antônio Callado, Ignácio de Loyola Brandão, Márcio de Souza e outros.
  Outro caminho trilhado é o chamado realismo fantástico, que expressa uma visão crítica das relações humanas e sociais por meio de narrativas que transfiguram a realidade, fazendo coexistir o lógico e o ilógico, o fantástico e o verossímil. Destacam-se, nessa linha, as obras de Murilo Rubião e José J. Veiga.
  Deve-se fazer referência ao regionalismo, tendência que desde o Romantismo constitui fonte preciosa para a literatura brasileira. A intenção de representar a realidade do interior do país, com seus tipos humanos e problemas sociais, é comum a Herberto Sales, Mário Palmério, Adonias Filho e outros.

 A Literatura como pesquisa de linguagem

 É a consciência que existe harmonia entre o pensar e o sentir, o sentir e o imaginar, a atividade literária é um exercício, uma ininterrupta pesquisa de linguagem.
 Na terceira fase do Modernismo devemos dar destaque a três autores "isolados", isto porque neles estão marcadas as diferenças que os distinguem, há percepção da literatura como linguagem, inclusive pelas pesquisas que buscam os limites da linguagem literária: A precisão da poesia de João Cabral de Melo Neto (o engenheiro da palavra), a sutileza entre a fala e o texto narrativo mitopoético de Guimarães Rosa e a busca através da palavra, o "movimento puro", dos movimentos em busca da palavra, dos trabalhos literários de Clarice Lispector.


 Guimarães Rosa


 João Guimarães Rosa - Pelas inovações operadas na linguagem literária, Guimarães Rosa impôs-se como um verdadeiro marco na evolução de nossa literatura. Na elaboração de seu estilo, ele utilizou-se de vários processos: exploração de palavras; aproveitamento do linguajar regionalista cheio de arcaísmos (palavras antigas), adaptação de termos e expressões extraídos de várias línguas modernas, além de recorrer ao grego e latim. Mas seu valor não estava apenas na experimentação formal, a riqueza da sua linguagem expressava também uma profunda visão da existência humana; Guimarães Rosa conseguiu superar o que era simplesmente regional e atingiu o universal, através da profunda percepção dos problemas vitais que existem no interior do homem de qualquer região. Sua obra aborda temas que envolvem indagações sobre o destino, significado da vida e da morte, existência ou não de Deus. Extraindo do regional matéria para elaboração de uma obra que questiona o próprio sentido da vida, Guimarães Rosa revigorou a literatura regionalista brasileira.
 Principais obras -  Grande Sertão: Veredas; Livros de contos: Primeiras estórias; Tutaméia; Estas estórias; Noites do sertão; contos e textos avulsos reunidos em Ave, a palavra.

 Enredo de Grande Sertão: Veredas

 Este romance é a grande obra de Guimarães Rosa. Num longo monólogo que vai do começo ao fim do livro,  Riobaldo, ex-jagunço e chefe de bando, transformado no presente em pacato fazendeiro, conta a um suposto interlocutor suas aventuras da juventude, as pelejas de que participou, seus temores e dúvidas a respeito da existência de Deus e do diabo.
 Ao querer vingar a morte de Joca Ramiro, chefe dos jagunços, assassinado à traição por Hermógenes, ex-companheiro de bando, Riobaldo procura fazer um pacto com o demônio para tornar-se capaz de destruir o traidor. Torna-se líder do bando que busca vingança e, depois de muitas peripécias, em que o comportamento de Riobaldo parece revelar poderes estranhos, os dois grupos se encontram. Diadorim, seu melhor amigo e por quem ele sentia uma estranha atração afetiva que tanto o perturbava, luta com Hermógenes e vence-o, mas vem a morrer também no combate. Então ele descobre que Diadorim era mulher, filha de Joca Ramiro disfarçada em homem. Riobaldo, amargurado, atormentado pela dúvida da existência do demônio e da possibilidade de se fazer pacto com ele, abandona a vida de jagunço e vai viver como um pacato fazendeiro.
 As indagações religiosas e metafísicas de Riobaldo a respeito de Deus, do pecado, do sentido da vida estão presentes em toda a narrativa, que constitui uma verdadeira aventura no interior do ser humano em busca das respostas para o mistério de sua condição.


 Clarice Lispector

 O que é percebido em Clarice Lispector é uma inquietante tentativa em explorar as camadas mais profundas da consciência humana em busca do significado da existência. O seu aprofundamento na análise psicológica realiza-se através de uma linguagem aparentemente simples, mas que revela uma constante preocupação em tentar captar a verdade que se esconde atrás das simples aparências das palavras. Como Guimarães Rosa, Clarice Lispector "recriou" a linguagem, propôs uma visão temática e expressional, polêmica na época mas inovadora para a ficção do Brasil, ou seja, o gênero romance deixa seu modelo tradicional, em que estão o Brasil regional e o realismo cru, para ganhar nova dimensão e outra finalidade, como a de registrar a problematização estética da linguagem, discutindo assim, os próprios limites do gênero.
 Principais obras: Romances - Perto do coração selvagem; O lustre; A cidade sitiada; A hora da estrela; A paixão segundo G.H. Água viva; contos - Alguns contos; Laços de família; Imitação da rosa; além de crônicas, poesias e livros infantis.

 A paixão segundo G.H. - É um livro em que a narração é a base do romance. Ao invés de ação, o livro apresenta uma situação: uma mulher de classe média, seis meses depois da demissão da empregada, resolve ir ao seu quarto que ficara abandonado. Do armário sai então, uma barata, e a partir de tal situação vai se desenvolvendo na personagem um processo de autodescoberta, de desvendamento da mediocridade em que vive, que culmina com a identificação entre ela e a barata.
 Ao mesmo tempo em que lhe causa medo, a barata lhe desperta o sentimento de coragem; ao mesmo tempo que se enjoa, se indigna, a personagem sente em profundidade alegria: "como se enfim eu experimentasse, e em mim mesma, uma grandeza maior do que eu. E me embriagava pela primeira vez de um ódio tão límpido como de uma fonte,  que eu me embriagava com o desejo, justificado ou não, de matar."
 Matar ou não a barata, mas a insensibilidade de um cotidiano que a transforma em barata... toma então, a barata como hóstia, para superar a solidão e a várzea, para se reconciliar com a matéria do mundo, e assim assimilar, em êxtase, o nojo que tem de si mesma.
 Sentindo uma grandeza, uma alegria, um prazer misturado com o medo, a náusea, o nojo, mostram a base sensorial, intuitiva, feminina da ficção introspectiva de Clarice Lispector.

 João Cabral de Melo Neto

 João Cabral de Melo Neto foi um poeta que distinguiu pela elaboração de uma linguagem própria, seca, objetiva, e trilhou se caminho de uma forma bem pessoal.
 A preocupação com a construção da poesia, encarada como fruto do trabalho paciente e lúcido do poeta, ele abordou em suas poesias elementos concretos da realidade, sempre guiados pela lógica e pelo raciocínio. Seus poemas não abordam a análise e exposição do "eu" (poética "antilírica") e voltam para o universo dos objetos, fatos sociais e paisagens. Podemos observar também o rigor estético, rimas toantes e surrealismo em suas obras, João Cabral de Melo Neto inaugurou uma forma diferente de fazer poesia no Brasil.
 Principais obras: Pedra do sono; O engenheiro; O cão sem plumas; Morte e vida Severina; Uma faca só lâmina; A educação pela pedra; poesia crítica.

 Morte e vida Severina (auto de Natal Pernambucano)

 Sua linha narrativa segue dois movimentos que aparecem no título: "morte e vida". No primeiro, há a trajetória de Severino, personagem-protagonista, parte para Recife, em face da opressão econômico-social. Severino tem a força coletiva de uma personagem típica: representa o retirante nordestino. No segundo movimento, o da "vida", o autor não coloca a euforia da ressurreição da vida dos autos tradicionais, ao contrário, o otimismo que ocorre é de confiança no homem. Morte e vida Severina é uma reflexão e ao mesmo tempo um depoimento sobre certos problemas sociais do nordeste brasileiro.




Link do meu canal do Youtube para complementação dos seus estudos



https://www.youtube.com/watch?v=uVjR0PdO5jQ











terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Segunda fase do Modernismo 1930 - 1945 (prosa)

 Segunda geração modernista
 Romances caracterizados pela denúncia, na prosa houve grande interesse por temas nacionais, uma linguagem mais brasileira com um enfoque mais direto dos fatos marcados pelo Realismo-Naturalismo. Na prosa, atingiu-se elevado grau de tensão nas relações do "eu" com o mundo; é o encontro do escritor com seu povo. Havia uma busca do homem brasileiro nas várias regiões, por isso, o regionalismo ganhou importância, com destaque às relações da personagem com o meio natural e social (seca, migração, problemas do trabalhador rural, miséria, ignorância).
 Além do regionalismo, destacaram-se também outras temáticas como o romance urbano e psicológico, o romance poético-metafísico e a narrativa surrealista.
 Refletindo as preocupações sociais e políticas que agitavam o Brasil na época, desenvolveu-se um tipo de ficção que encaminhou para o documentário social e romance político. A publicação, em 1928, de A bagaceira, de José Américo de Almeida, costuma ser indicada como marco inicial dessa série de obras cuja intensão básica foi a denúncia dos problemas sociais econômicos do nordeste, dos dramas dos retirantes das secas e da exploração do homem num sistema social injusto.

 Principais autores e obras:

 Graciliano Ramos

 Considerado o maior representante da geração neo-realista nordestina, sua obra é considerada como "clássica" pela qualidade literária. Seus romances tratam tanto do social (miséria, fome, seca, latifúndio), como do psicológico (opressão, medo, angústia etc.). Linguagem condensada, sem retórica, obra neo-realista: romance crítico, de tensão entre a personagem e o meio (natureza e sociedade), romance de esquerda. Em março de 1936, sob suspeita de ter participado da ANL (Aliança Nacional Libertadora), Graciliano foi preso pela polícia de Getúlio Vargas. Levado para a prisão de Ilha Grande (RJ), ficou lá um ano sem acusação formal. A experiência na prisão foi relatada em "Memórias do Cárcere".
 Principais obras: São Bernardo, Vidas Secas, Memórias do Cárcere, Angústia.

 Vidas Secas: história de uma família de retirantes que vive em pleno agreste os sofrimentos da estiagem. Universo pobre de um homem (Fabiano), uma mulher (Sinhá Vitória), os filhos e uma cachorra (Baleia).
 Fabiano, Sinhá Vitória e os filhos são exemplos de seres convertidos em criaturas, animalizados, brutalizados por causa da precariedade de suas condições de vida, enquanto abandonam a terra onde nasceram, ressequida, estéril, procuravam na cidade uma forma de sobrevivência.
 Um trecho da obra que ilustra a perda de humanidade de Fabiano: "Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo(...)."
 Ao longo deste romance, é muito comum as vozes do narrador e das personagens se confundirem, através do discurso indireto livre, um dos mais importantes recursos narrativos de Graciliano Ramos, cuja retórica, e de muitos verbalismos, parece se alojar no interior das personagens, fundindo homem e paisagem, ação e processos mentais.
 Por essas razões, Graciliano Ramos significa a maturidade de nossa ficção regionalista, a expressão literária, a dimensão política, universal de nossos problemas aparentemente locais.

 José Lins do Rego

 As obras de José Lins do Rego compõem os chamados romances do ciclo da cana-de-açúcar. Neles o autor recompõe sua infância, tendo sido descendente de grandes proprietários canavieiros do nordeste. Escritos em primeira pessoa, estes romances retratam literalmente a crise de tradição e a necessidade de modernização, a transformação do Engenho em usina. Esse tema é especialmente abordado em Fogo Morto (não faz parte do ciclo), que é escrito em terceira pessoa. Nele, o autor mostra as relações psicológicas dos vários tipos sociais (o velho Senhor, a Sinhá, o trabalhador jagunço etc.) perante uma usina de "Fogo Morto", isto é, parada, morta, decadente.
 Principais obras: Fogo Morto, Usina, Menino do Engenho.

 Érico Veríssimo

 Érico Veríssimo nasceu no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre entrou em contato com a vida literária e iniciou-se no jornalismo, começou a publicar romances. Fantoches foi o primeiro (Contos que exibem estrutura de peças de teatro), mas Clarissa foi a primeira obra que o tornou popular.
 Os críticos literários classificaram suas obras em três fases:
 1º fase: Romance urbano - Visão otimista, linguagem simples, cotidiano da vida urbana de Porto Alegre, apresentação de problemas sociais, morais e humanos. Iniciou-se com a publicação de Clarissa, depois vieram: Caminhos Cruzados, Música ao longe, Um lugar ao sol, Olhai os lírios do campo, Saga, E o resto é silêncio.
 2° fase: Romance histórico - Inicia-se com a obra O Tempo e o Vento, aborda a formação do Rio Grande do Sul desde as sua origens.
 3° fase: Romance político - Temas políticos e engajamento social. Na obra "O Tempo e o Vento", Érico Veríssimo deu sua opinião sobre Getúlio Vargas pela boca de um personagem: "Tudo nele é mediano e medíocre. Jamais teve um pitoresco dum flores da Cunha, o brilho dum Osvaldo Aranha, a eloquencia de um João Neves (...). É um homem frio, reservado, cauteloso, impessoal (...) calmo numa terra de esquentados. Disciplinado numa terra de indisciplinados. Prudente numa terra de imprudentes. Sóbrio numa terra de esbanjadores. Um silencioso numa terra de papagaios".
 Livros: O senhor embaixador, O prisioneiro, Incidente em Antares.

 O continente - Essa obra, que marca o início da trilogia O tempo e o vento, constitui um grandioso painel do Rio Grande do Sul no período que vai dos fins do século XVIII até a Revolução de 1893.
 Girando sempre em função de um ponto central - a região de Santa Fé, a obra apresenta vários episódios que marcaram a origem do desenvolvimento do poder de duas famílias: Amaral e Terra Cambará.
 Capitão Rodrigo Cambará, andarilho guerreiro que, fixando-se em Santa Fé, apaixona-se por Bibiana Terra, com quem mais tarde se casa, originando a família Terra Cambará e formando o início da oposição aos Amarais.

 Rachel de Queiroz

 Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, Ceará, ainda não tinha completado vinte anos quando publicou seu primeiro romance, O Quinze. Rachel foi a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras.
 O Quinze - O romance O Quinze projetou nacionalmente o nome de Rachel de queiroz. Retomando o tema da seca, que já fora tratado em outros romances, Rachel deu-lhe maior dimensão social, sem deixar de lado a análise psicológica de algumas personagens.
 A marcha penosa e trágica da família de Chico Bento, que representa o retirante, constitui o núcleo dramático da obra. A par disso, desenvolve-se o drama da impossibilidade de comunicação afetiva entre Vicente e Conceição; ele, um dono de fazenda sensível à miséria que o rodeia, mas impotente para eliminá-la; ela, uma moça da cidade atraída pela figura livre e franca de Vicente, mas que não consegue penetrar em seu mundo rude, quase selvagem.
 Principais obras: O Quinze, João Miguel, Caminho de pedras, As três Marias, Dôra Doralina, Memorial de Maria Moura.

 Jorge Amado

 Jorge Amado nasceu na Bahia, é o autor mais adaptado da televisão brasileira, quase sempre interessado em abordar problemas sociais e políticos, sua extensa obra trata tanto da região cacaueira da Bahia como da zona urbana de Salvador, era um hábil fixador de tipos humanos, costumes e festas populares.
 Principais obras: Jubiabá, Mar Morto, Capitães de areia, Terras do sem-fim, Gabriela, cravo e canela, Os velhos marinheiros, Dona flor e seus dois maridos, Tenda dos milagres, Tieta do Agreste.

 Terras do sem-fim - Este romance aborda a época da fixação e expansão das fazendas de cacau em São Jorge dos Ilhéus.
 Com a cobiça e o desejo de enriquecimento, surgem as lutas entre dois fazendeiros: o coronel Horácio da Silveira e Juca Badaró, da família dos Badarós, a mais rica da região. Ambas disputam as terras incultas de modo violento, principalmente Horácio, para quem as armas eram as únicas leis.
 Ao lado dessa linha principal do enredo, há o drama de Ester, esposa de Horácio, educada em outro meio e com outros sonhos, e que não se acostuma com a vida fechada e cercada de perigos que leva na fazenda, sempre sobressaltada pelos ruídos da mata e pelos crimes. Quando conhece Virgílio, um novo advogado que passa a frequentar sua casa, vê nele a figura de seus sonhos de adolescente, perdidos com o casamento com Horácio. Acaba por tornar-se sua amante.
 A estrutura do livro mantém um suspense na sequencia dos fatos que envolvem as lutas entre fazendeiros e capangas e o drama íntimo de Ester. No final, ela morre de tifo enquanto Virgílio, mais tarde, é assassinado por Horácio que ficara sabendo de tudo. Com a posse do Sequeiro Grande, Horácio torna-se o principal chefe de São Jorge do Ilhéus.


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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Segunda fase do Modernismo 1930 - 1945 (poesia)

 Um rico período de construção
 Abandonando o espírito destrutivo e irreverente dos primeiros momentos do Modernismo, a poesia, mais ou menos a partir de 1930, apresenta um gradual amadurecimento.
 Aproveitando a liberdade estética conquistada e elaborando uma linguagem pessoal, os poetas da segunda fase desenvolveram plenamente suas tendências próprias sem a preocupação de chocar ou agredir o público tradicionalista.
 Principais poetas desta fase: Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Augusto F. Schmidt, Henriqueta Lisboa, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Dante Milano, Mário Quintana, Joaquim Cardozo entre outros. Alguns poetas da época anterior se renovaram, como é o caso de Mário de Andrade e Manuel Bandeira.
 Do ponto de vista dos conteúdos, dos significados, a preocupação nacionalista, que foi uma das tônicas principais dos representantes da Semana de 22, alastrou-se e adquiriu novo rigor, na medida em que o Brasil passou a ser visto não "em si" mas no contexto universal do sistema capitalista de que fez parte.
 O caráter construtivo da segunda geração tem face dupla, do ponto de vista estrutural, caracteriza-se por uma revalorização de determinadas formas tradicionais, como o soneto, e ainda uma redução do "vanguardismo" dos primeiros modernistas, conciliando a combatividade de sua linguagem com a necessidade de polissemia, de riqueza, de significados.
 Construção e dimensão universalista são elementos fundamentais de nossa segunda geração modernista.

 Cecília Meireles - A poesia de Cecília Meireles caracteriza-se principalmente pela leveza, pela delicadeza com que tematiza a passagem do tempo , a transitoriedade da vida, a fugacidade dos objetos, que aparecem impalpáveis em seus poemas, influenciados por filosofias orientais e elaborados com linguagem predominantemente sensorial e intuitiva, herdando a linguagem musical do Simbolismo. O sentimento de saudade, melancolia e do tempo que passa, marcada por nota de tristeza e desencanto, revela-se como uma das mais significativas expressões do lirismo moderno.

Retrato

 Eu não tinha este rosto de hoje,
 assim calmo, assim triste, assim magro
 nem estes olhos tão vazios,
 nem o lábio amargo.

 Eu não tinha estas mãos sem força,
 tão paradas e frias e mortas;
 eu não tinha este coração 
 que nem se mostra.

 Eu não por esta mudança,
 tão simples, tão certa, tão fácil:
 -Em que espelho ficou perdida a minha face?

 Presença da primeira pessoa: "eu lírico" descrevendo o próprio rosto.
 Advérbio de negação e pronome demonstrativo = passagem de tempo e transitoriedade da vida. Melancolia do "eu lírico".
 Há também o uso seguido da palavra "assim", dando ritmo lento ao verso, como se a passagem do tempo fosse imperceptível para o "eu lírico".
 Cecília Meireles, abordou o tema da transitoriedade da vida, sua passagem de maneira filosófica, universal, recebendo influências do grupo espiritual ao qual pertenceu.


 Vinícius de Moraes - Crítico cinematográfico, exerceu também a carreira diplomática. Foi  um dos poetas mais famosos do Brasil, principalmente pela projeção adquirida por sua ligação com a Bossa Nova. A sua poesia denota certa impregnação religiosa, com poemas longos, de acentos bíblicos, mas que abandonou pouco a pouco em favor de sua tendência natural: A poesia intimista, pessoal, voltada para o amor físico, com uma linguagem ao mesmo tempo realista, coloquial e lírica.

Soneto de separação

 De repente do riso fez-se o pranto
 silencioso e branco como a bruma
 e das bocas unidas fez-se a espuma
 e das mãos espalmadas fez-se o espanto.

 De repente da calma fez-se o vento
 que os olhos desfez a última chama
 e da paixão fez-se o pressentimento
 e do momento imóvel fez-se o drama.

 De repente, não mais que de repente
 fez-se de triste o que se fez amante
 e de sozinho o que se fez contente

 fez-se do amigo próximo o distante
 fez-se da vida uma aventura errante
 de repente, não mais quis que de repente.

 A forma soneto, os verbos decassílabos e as rimas regulares associam-se à musicalidade, às aliterações (silencioso e branco como a bruma), fazendo-se pensar no Simbolismo.


 Carlos Drummond de Andrade - Sua obra tem um gradual processo de investigação da realidade humana. Desde os primeiros livros, delineiam-se as linhas básicas de sua poesia: visão crítica das relações sociais e humanas, frequentemente expressa em tom irônico, e certo desencanto com relação à vida, recusando-se a um envolvimento sentimental. Durante os anos da Segunda Guerra Mundial, sua poesia participante atingiu grande intensidade no livro A Rosa do Povo, com o poeta reconhecendo a necessidade de se integrar no seu tempo, de caminhar de "mãos dadas". Pouco a pouco, porém, a participação social através da poesia foi cedendo lugar a uma visão cada vez mais desiludida, em que a esperança num novo tempo é substituída por uma resignação madura diante da falta de solidariedade e justiça. Ao mesmo tempo, o poeta mergulha em seu passado, buscando na infância as origens desse seu modo introspectivo; isso se manifesta claramente nos poemas em que trata do pai, da vida antiga em Itabira (Cidade mineira em que nasceu). Além de poeta, Drummond escreveu contos e crônicas.

 Poema de Sete Faces

 Quando nasci, um anjo torto
 desses que vivem na sombra
 disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
 (...)
 Mundo mundo vasto mundo,
 se eu me chamasse Raimundo
 seria uma rima, não seria uma solução.
 Mundo mundo vasto mundo,
 mais vasto é meu coração.

 No Meio do Caminho

 No meio do caminho tinha uma pedra
 tinha uma pedra no meio do caminho
 tinha uma pedra
 no meio do caminho tinha uma pedra.

 Nunca me esquecerei desse acontecimento
 na vida de minhas retinas tão fatigadas.
 Nunca me esquecerei que no meio do caminho
 tinha uma pedra
 tinha uma pedra no meio do caminho
 no meio do caminho tinha uma pedra.

 José

 E agora, José?
 A festa acabou,
 a luz apagou, 
 o povo sumiu, 
 a noite esfriou,
 e agora José?
 e agora, você?
 você que é sem nome,
 que zomba dos outros, 
 você que faz versos,
 que ama, protesta?
 e agora José?
 (...)
 Sozinho no escuro
 qual bicho-do-mato
 sem teogonia,
 sem parede nua
 para se encostar, 
 sem cavalo preto 
 que fuja a galope,
 você marcha, José!
 José, para onde?

 O poema Sete Faces é significativo da primeira fase da poesia de Drummond, onde o poeta se coloca como um "gauche", um desajeitado, cujo coração - mais vasto que o mundo transborda. Mas transborda com ironia, humor, sarcasmo.
 No meio do caminho, por sua vez, é o poema mais "antipoético" da literatura brasileira , ilustra a travessia do poeta entre o individual e o social, o coração e o mundo.
 A pedra no caminho, é o obstáculo que distancia o sujeito do objeto, o homem de seus sonhos, marca o itinerário poético de Drummomd, cada vez mais dirigido ao real.
 José, é o "beco sem saída", a consciência da solidão, da vontade de não continuar. Oscilação entre o coração e o mundo, querer fugir sem ter para onde.


 Jorge de Lima - De modo geral, a crítica costuma reconhecer quatro fases na evolução poética de Jorge de Lima: a parnasiana do livro XIV Alexandrinos, do qual se destaca o soneto "O acendedor de lampiões"; de 1927 a 1932, estava presente o tema das recordações da infância passada no nordeste. É desta fase o poema "Nega Fulô". Logo depois dessa preocupação regionalista, Jorge de Lima passou a escrever poemas de caráter religioso e místico; esta temática continuou em textos esparsos  e nos livros A túnica inconsútil, Anunciação e Encontro de Mira-Celi. O tema das recordações dos escravos e do misticismo africano reapareceu em Poemas negros. Sua última obra, Invenção de Orfeu, é um longo poema com características épicas que expressa simbolicamente uma profunda reflexão sobre a vida humana e o universo.

 Pai João

 Pai João secou como um pau sem raiz.-
Pai João vai morrer.
Pai João remou nas canoas.-
Cavou a terra.
Fez brotar do chão a esmeralda,
Das folhas - café, cana, algodão.
Pai João cavou mais esmeraldas
Que Pais Leme.
A filha de Pai João tinha um peito de
Turina para os filhos de Ioiô mamar:
Quando o peito secou a filha de Pai João
Também secou agarrada num
Ferro de engomar.
A pele de Pai João ficou na ponta
Dos chicotes.
A força de Pai João ficou no cabo
Da enxada e da foice.
A mulher de Pai João o branco
A roubou para fazer mucamas.
O sangue de Pai João se sumiu no sangue bom
Como um torrão de açúcar bruto
Numa panela de leite.-
Pai João foi cavalo pra os filhos de Ioiô montar.
Pai João sabia histórias tão bonitas que
Davam vontade de chorar.
Pai João vai morrer.
Há uma noite lá fora como a pele de Pai João.
Nem uma estrela no céu.
Parece até mandinga de pai João.


  Murilo Mendes-  Procurando incorporar uma visão global do ser humano na sua poesia, a linguagem de Murilo Mendes caminhou por diversos rumos, explorando profundamente as potencialidade linguísticas e exigindo sempre do leitor uma participação ativa na decifração de seus textos. Essa preocupação com a linguagem era uma constante fundamental de Murilo Mendes, para quem a poesia era "o pão quotidiano de todos, uma aventura simples e grandiosa do espírito".

Aproximação do terror

Dos braços do poeta
Pende a ópera do mundo
(Tempo, cirurgião do mundo) :

O abismo bate palmas,
A noite aponta o revólver.
Ouço a multidão, o coro do universo,
O trote das estrelas
Já nos subúrbios da caneta:
As rosas perderam a fala.
Entrega-se a morte a domicílio.
Dos braços...
pende a ópera do mundo.





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domingo, 5 de dezembro de 2010

A primeira fase do Modernismo (1922 - 1930)

 Primeira fase do Modernismo - Período de agitação, com a primeira geração modernista preocupada em difundir novas ideias, não recuando diante das polêmicas e exibindo em muitas obras um tom agressivo e irônico com relação à literatura tradicionalista.
 A primeira semana do novo Brasil - A Semana de Arte Moderna durou três dias e reuniu poetas, escultores, pintores, músicos e intelectuais ligados à "Nova Arte". Iniciou-se calma, com a palestra "A estética na arte moderna", exposta por Graça Aranha, um dos padrinhos do evento. A confusão durou dois dias depois, na palestra de Menotti del Picchia ("Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidade e sonho na nossa arte", disse ele). A conferência abriu claramente a caça ao "passadismo", a plateia se conteve e não vaiou. Minutos depois houve uma vaia estrondosa.
 Os modernistas não foram vítimas inocentes, as vaias faziam parte do espetáculo, alguns estudiosos acham que os modernistas contrataram gente para uivar contra eles. A vaia era o mais caro sinal de reconhecimento.
 O Manifesto Antropofágico - Um fato importante pela polêmica que provocou foi a exposição de pintura moderna feita por Anita Malfatti nos meses de dezembro de 1917 e janeiro de 1918, em São Paulo. A pintura teve importância fundamental não apenas no advento da Semana de Arte Moderna como também na eclosão de todo o movimento modernista que veio a seguir. Voltando de uma viagem à Europa e aos Estados Unidos, onde entrara em contato com a arte moderna, Anita Malfatti, incentivada por alguns amigos, resolveu expor suas últimas obras. No acanhado meio artístico paulistano, a exposição provocou comentários variados, tanto a favor como contra. Entretanto o que realmente desencadeou a polêmica em torno não só da pintora mas principalmente da questão da validade da nova arte, foi um artigo escrito por Monteiro Lobato, que ficou conhecido por "Paranoia ou mistificação?"
 Essa crítica precipitada de Monteiro Lobato provocou ressentimentos em Anita Malfatti e, ao mesmo tempo, despertou uma atitude de simpatia de um grupo de artistas jovens com relação a ela, resultando manifestações de repúdio às concepções tradicionalistas de arte.
Abaporu, o antropófago, obra de Tarsila do Amaral - amiga de Anita Malfatti e apoiava o movimento modernista.


O Homem amarelo, de Anita Malfatti, obra considerada feia e de mal gosto pelos tradicionalistas.

Principais autores e obras:  

 Mário de Andrade - Foi um pesquisador que se interessou pelas mais variadas manifestações artísticas. Professor de piano, estudou e escreveu sobre folclore, música, pintura e literatura, sendo um dos mais dinâmicos batalhadores pela renovação da arte brasileira. De toda sua obra destacam-se:
  Poesia: - Há uma gota de sangue em cada poema, Paulicéia desvairada, Losango cáqui, Clã do jabuti, Remate de males;
  Prosa: - Primeiro andar; Amar, verbo intransitivo; Macunaíma; Belazarte; Contos Novos; A escrava que não é Isaura; Aspectos da literatura brasileira; O empalhador de passarinho.

 Macunaíma - É chamado de rapsódia(inspiração folclórica) por Mário de Andrade, o livro é construído a partir de uma série de lendas a que se misturam superstições, provérbios e anedotas. O tempo e o espaço não obedecem a regras de verossimilhança e o fantástico se confunde com o real durante toda a narrativa.
 O material de que se serviu o autor, é de origem europeia, ameríndia e negra, pois Macunaíma nasce índio-negro, fica depois de olhos azuis. A ausência de caráter do "herói", sua preguiça e malícia, seu individualismo, tudo isso pode ser visto como o resultado confuso de várias influências culturais mal assimiladas, nesse sentido Macunaíma passa a constituir uma espécie de personificação do Brasil.
 O enredo central, frequentemente interrompido pela narração de "casos" ou lendas, é bem simples: Macunaíma tenta reaver o amuleto que ganhara de sua mulher Ci, Mãe do Mato, único amor sincero de sua vida, e que por desgosto pela morte do filho pequeno subiu aos céus e transformou-se na estrela Beta do Centauro. Macunaíma perdera esse amuleto prodigioso que ficou em poder do gigante Piaimã que se encontrava em São Paulo. Depois de vária façanhas junto com seus irmãos Maanape e Jiguê, recupera o amuleto (a muiraquitã). Após mais algumas aventuras, agora sozinho pois os irmãos haviam morrido, Macunaíma enganado pela Uiara (divindade que vive nos rios e lagos) , perde a muiraquitã e fica todo machucado, perdendo uma perna.
 Desiludido, resolve abandonar este mundo e subir aos céus, onde é transformado em constelação. É um herói capenga que se aborrecia de tudo, vaga solitário no campo vasto do céu.

 Oswald de Andrade - A poesia de Oswald de Andrade é um exemplo de renovação na linguagem literária. Fugindo aos modelos literários da época, ele construiu uma poesia original, com muito humor e ironia, numa linguagem coloquial que surpreende pela maestria com que o autor soube utilizar as potencialidades da língua portuguesa. A poesia de Oswald de Andrade repudia o purismo, a linguagem quotidiana está incorporada às suas poesias, não gostava de obedecer e copiar os padrões tradicionalistas.
 Poesia: Pau-Brasil; Primeiro caderno do aluno de poesia de Oswald de Andrade; Poesias reunidas.
 Prosa: Memórias sentimentais de João Miramar; Serafim do exílio; Estrela de absinto; Marco Zero I - A revolução melancólica; Marco zero II - Chão.
 Teatro: O homem e o cavalo; A morta; O rei da vela.

 Trechos do poema Pau-Brasil:

                  3 de maio
 Aprendi com meu filho de dez anos
 Que a poesia é a descoberta
 Das coisas que eu nunca vi.

 O verso livre, o tom de prosa, a simplicidade da linguagem e a síntese, são os principais elementos de modernidade deste poema metalinguístico, poesia sobre a poesia. Há sugestão de poesia como ingenuidade, magia, liberdade, universo infantil(não há fronteira entre sonho e liberdade).


 Pronominais

 Dê-me um cigarro
 Diz a gramática
 Do professor e do aluno
 E do mulato sabido 


 Mas o bom negro e bom branco
 Da Nação Brasileira
 Dizem todos os dias
 Deixa disso camarada
 Me dá um cigarro.

 A valorização da linguagem coloquial, próxima da vida, popular, opõe a gramática, o professor, o mulato sabido e o aluno.


 O capoeira
 -Qué apanhá sordado?
 -O Quê?
 -Qué apanhá?
  Pernas e cabeças na calçada.

 A ideia de luta é sugerida apenas por um diálogo rápido, tipicamente popular num estilo sintético. Este trecho  foi construído com transposição de técnica de cinema, montagem de cenas na tentativa de descontinuidade para causar a impressão de imagens simultâneas para o texto literário.


 Relicário
 No baile da Corte
 Foi o Conde d'Eu quem disse
 Pra Dona Benvinda
 Que farinha de Suruí
 Pinga de Parati
 Fumo de Baependi
 É comê bebê pitá e caí

 Este trecho do poema é representativo da proposta Pau-Brasil de poesia de exportação. Reconta momentos significativos da história do Brasil de maneira irônica.


 Manuel Bandeira - Sua linguagem coloquial e irônica atinge maior grau em Libertinagem. A ânsia de libertação e ausência dolorosa de figuras familiares estão presentes em "Vou-me embora pra Pasárgada", "Poema de Finados", "Evocação de Recife", "Profundamente". Nas outra obras, apareceram o desenvolvimento das linhas temáticas como saudade da infância, a presença da morte, a fugacidade da vida e do amor.

 Poesia: A cinza das horas; Carnaval; Ritmo dissoluto; Libertinagem; Estrela da manhã; Lira dos cinquent'anos; Mafuá do malungo etc.

Prosa: Crônicas da província do Brasil; Itinerário de Pasárgada; Andorinha, andorinha; Os reis vagabundos e mais 50 crônicas.

  Pneumotórax                

 Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
 A vida inteira que podia ter sido e não foi.
 Tosse, tosse, tosse.

 Mandou chamar o médico:
 - Diga trinta e três -
 - Trinta e três...trinta e três...trinta e três...
 - Respire...
 ...............................................................
 O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
 - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
 - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
                                                                                                      (Libertinagem)



 Este é um poema que tematiza a tuberculose, que assombrou toda a vida de Manuel Bandeira, criando a expectativa da morte. Os versos em prosa intercalam causa e consequência: Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos, os sintomas concretos da doença.
 O epsódio do médico, exemplo da presença da matéria normalmente antipoética, a ironia trágica e desesperada, mas mesmo assim lírica, delicada. No final pneumotórax , única esperança de cura é sugerido tocar um tango argentino é assumir poeticamente que não há cura possível e assim preparar-se para a morte. 




 Antônio de Alcântara Machado - Antônio de Alcântara Machado não participou da Semana de 22, mas foi um dos mais ativos escritores do movimento modernista tendo colaborado nas revistas Terra Roxa, Outras Terras, Revista de Antropofagia e Revista Nova.
 Antônio de Alcântara Machado, ao se interessar por essa vida quotidiana tão ausente de nossa literatura, realizava uma das aspirações do Modernismo, que era o desejo de representar a nova realidade social e urbana do começo do século XX.

 Deixou um romance inacabado (Ana Maria), crônicas (Pathé Baby e Cavaquinho e Saxofone) e contos (Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja da China) que foram reunidos no livro Novelas paulistanas.